Acordei e
percebi que não estava sozinho. Minha cama estava vazia, meu coração
desocupado, minha cabeça sem o que pensar, mas eu tinha a mim mesmo. Cozinhei o
meu almoço, tomei um banho frio e disse: você vai conviver pacificamente com
você todos os dias?
Ergui uma
bandeira sem cor, sem forma, sem existência. Joguei para o espaço um pouco
daquilo que sei fazer de melhor, com um pote de salada de fruta sem pêssegos em
calda (não deixaram pêssegos para contar esta estória).
Se acabarem
os governos, as leis que regem o universo, você é o que te resta. Quando despido
de roupas e conceitos, quando chorando ou sorrido por momentos, você é o que te
resta. Não é um resto ruim, é um resto daqueles que é bom, tipo o resto do bolo
de aniversário, o resto do dia de folga, o resto de dinheiro que sobra das
contas...
Então percebe
que a grandeza não está na sua playlist musical, nem no macarrão da janta, nem
no pôr do sol tampado pelas nuvens de chuva, mas ela está em você. A playlist
estará lá do mesmo modo, com músicas a mais ou músicas a menos, tocadas de uma
forma aleatória ou normal, o macarrão também vai estar lá, sendo um macarrão
com outro molho ou outro tempero... E porra, vem na cabeça como é bom ter o que
jantar! Como é bom saber que o sol está atrás daquele punhado de chuva... O que
te resta disso tudo?
Acordei e
percebi que não estava sozinho. Eu tinha a mim mesmo e isso era bom. Tinha a
solidão para fazer o almoço, para pentear meus cabelos, e sentir o calor até na
metade do dia, quando ainda tinha sol no céu. E eu tinha a mim mesmo quando
tudo ficou cinza, desabando sobre mim como uma chuva de raios e fracassos,
talvez não entendesse que eu me tinha, e que eu era uma ótima companhia para
mim mesmo.
O que te
resta?
Não te
resta o céu pleno, voz calma, um sorriso
brando, um cobertor de abraços?
Não te
resta todo o resto, o punhado de galáxias, o aperto de mão sufocado?
Não te
resta o amor sobre os olhos, a nuvem que sangra, o gesto indomável?
O que te
resta depois de tudo? Depois do fundo, depois da miséria?
Uma estória
inventada, um alguém que não existe? Por que fazer tanto charme? A mentira
deixa todos os rastros. Te resta o cheiro de terra molhada? A grama verde
vibrando? A cidade aos poucos se apagando, enquanto ascendem todas as luzes dos
postes eretos? O que te resta depois do seu resto? Daquilo que pedem para você
fazer e você faz, culpando um amor fracassado, um alguém que foi roubado do seu
ego cheio de frustração?... Coloque a forma que lhe agrada, não se sinta uma
pessoa moldada ou esculpida por sua decepção. Segue em frente, desapega... Por
que levar flores para mortos sepultados, sentimentos já sentidos?
O que te
resta? Acordei e tinha a versão de mim mesmo no olhar, me preparando o almoço, com
velas e rosas brancas e uma bela oração. Tinha um homem igual a mim dentro do
meu coração, então deduzi que o coração não deve ser desocupado, nem rasgado,
nem quebrado, nem moldado para caber no formato de outro coração.
O que te
resta que não fica na memória? Quem é você sem um conceito criado?
“Vinicius,
você aceita conviver pacificamente com você todos os dias?”
- Sim, eu
aceito!
- Então
pode beijar a noiva!
(Chuva de
arroz e lua de mel, agora estou casado).
Dia 24 de Setembro de 2017,
Vicenzo Vitchella.
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