domingo, 24 de setembro de 2017

O Que Te Resta

Acordei e percebi que não estava sozinho. Minha cama estava vazia, meu coração desocupado, minha cabeça sem o que pensar, mas eu tinha a mim mesmo. Cozinhei o meu almoço, tomei um banho frio e disse: você vai conviver pacificamente com você todos os dias?
Ergui uma bandeira sem cor, sem forma, sem existência. Joguei para o espaço um pouco daquilo que sei fazer de melhor, com um pote de salada de fruta sem pêssegos em calda (não deixaram pêssegos para contar esta estória).
Se acabarem os governos, as leis que regem o universo, você é o que te resta. Quando despido de roupas e conceitos, quando chorando ou sorrido por momentos, você é o que te resta. Não é um resto ruim, é um resto daqueles que é bom, tipo o resto do bolo de aniversário, o resto do dia de folga, o resto de dinheiro que sobra das contas...
Então percebe que a grandeza não está na sua playlist musical, nem no macarrão da janta, nem no pôr do sol tampado pelas nuvens de chuva, mas ela está em você. A playlist estará lá do mesmo modo, com músicas a mais ou músicas a menos, tocadas de uma forma aleatória ou normal, o macarrão também vai estar lá, sendo um macarrão com outro molho ou outro tempero... E porra, vem na cabeça como é bom ter o que jantar! Como é bom saber que o sol está atrás daquele punhado de chuva... O que te resta disso tudo?
Acordei e percebi que não estava sozinho. Eu tinha a mim mesmo e isso era bom. Tinha a solidão para fazer o almoço, para pentear meus cabelos, e sentir o calor até na metade do dia, quando ainda tinha sol no céu. E eu tinha a mim mesmo quando tudo ficou cinza, desabando sobre mim como uma chuva de raios e fracassos, talvez não entendesse que eu me tinha, e que eu era uma ótima companhia para mim mesmo.
O que te resta?
Não te resta o céu pleno,  voz calma, um sorriso brando, um cobertor de abraços?
Não te resta todo o resto, o punhado de galáxias, o aperto de mão sufocado?
Não te resta o amor sobre os olhos, a nuvem que sangra, o gesto indomável?
O que te resta depois de tudo? Depois do fundo, depois da miséria?
Uma estória inventada, um alguém que não existe? Por que fazer tanto charme? A mentira deixa todos os rastros. Te resta o cheiro de terra molhada? A grama verde vibrando? A cidade aos poucos se apagando, enquanto ascendem todas as luzes dos postes eretos? O que te resta depois do seu resto? Daquilo que pedem para você fazer e você faz, culpando um amor fracassado, um alguém que foi roubado do seu ego cheio de frustração?... Coloque a forma que lhe agrada, não se sinta uma pessoa moldada ou esculpida por sua decepção. Segue em frente, desapega... Por que levar flores para mortos sepultados, sentimentos já sentidos?
O que te resta? Acordei e tinha a versão de mim mesmo no olhar, me preparando o almoço, com velas e rosas brancas e uma bela oração. Tinha um homem igual a mim dentro do meu coração, então deduzi que o coração não deve ser desocupado, nem rasgado, nem quebrado, nem moldado para caber no formato de outro coração.
O que te resta que não fica na memória? Quem é você sem um conceito criado?
“Vinicius, você aceita conviver pacificamente com você todos os dias?”
- Sim, eu aceito!
- Então pode beijar a noiva!
(Chuva de arroz e lua de mel, agora estou casado).

Dia 24 de Setembro de 2017, Vicenzo Vitchella.

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