Capítulo
V – O Coma Temporal
(Valentim)
-
Eu já tive minha chance de ser um bom homem! E olhe o que me aconteceu! Você
consegue me ver? Você enxerga alguma coisa, sua aberração? Eu quero morrer! É
isso que eu quero! Quero morrer e quero morrer agora! Isto nunca vai mudar
mesmo...
Eu
falava com minha imagem do espelho, em mais um dos delírios que estava tendo
nestes últimos dias em que passava trancafiado no meu apartamento, e no meu
mundo com as drogas.
“Você
é um merda!”
-
Cala sua boca! Cala sua boca!
“Você
não é normal!” “Aberração!”
-
Saí daqui! Me deixa em paz! Me deixa, assim como todos os outros me deixaram!
Eu não sou um merda, só quero ser feliz... Só quero viver a minha vida e ser
feliz...
E
eu caí sobre o chão do banheiro sem poder me afirmar sobre as pernas. Eu estava
acabado. Entrei em um estado de sono profundo. Comecei a regredir e a regredir
e não estava mais naquele momento presente, estava na mesma sala onde falava
com minha avó, uma senhora de vestido florido, que usava sempre uma tiara
vermelha no cabelo já branco, uma senhora que me faz tanta falta!
-
Aonde você vai meu filho?
-
Vou sair por aí vó!
-
Deus lhe abençoe e lhe proteja meu filho! Com quem você vai sair?
-
Com o Leo vó.
-
De novo com esse rapaz...
-
O que tem vó?
-
Eu não gosto dele, você sabe disso! Ele é muito estranho.
-
Vó eu sei. Mas é gente boa...
-
Sei. Não vai voltar tarde não é mesmo? Amanhã você tem vestibular e sabe...
-
Sim vó, sim vó... Vou voltar cedo... Só vou sair beber um pouco com os meus amigos
e já volto! Beijo.
-
Vai com Deus querido... Leva uma blusa... Não esquece a sua chave, eu não tenho
mais idade para abrir a porta de madrugada... Esta cidade anda muito
violenta...
-
Sim vó... Fui...
Eu
desci os degraus da escada que levavam para a rua e me encontrei com Leonardo que
já me esperava algum tempo no portão, mexendo em seu celular. Lá estava Leo, o
mesmo de sempre, com seus cabelos loiros e compridos, uma calça preta e justa e
uma camiseta rasgada, dentro de seu estilo rock’n’roll da classe média alta e
selvagem.
-
Então e aí? Vamos aonde hoje? – Perguntei.
-
Vamos para um lugar maravilhoso que conheci estes dias, e que você não vai se
esquecer. Um lugar mágico, meu caro Valentim!
-
Você e seus lugares mágicos! Vai, sério... Para onde?
-
Não conto até chegarmos lá.
-
Então vamos... Divide o táxi? Estou meio sem grana...
-
Sem problemas, hoje a noite fica por minha conta...
-
Como você arruma tanto dinheiro? – perguntei estranhando a situação.
-
Se lhe contar você nem iria acreditar... Nada sério, não se preocupe vai!...
-
Mas não tenho com o que me preocupar, ou tenho?
-
Não!... Agora vamos...
Era
a Sensation House. Minha primeira impressão foi a descrição bíblica de Sodoma e
Gomorra, tive uma educação católica meio rigorosa, mas logo me acostumei com a
ideia de que tinha um refúgio secreto aquela noite, um lugar que não me veria
como uma aberração, mas como um ser humano igual. Um ser humano que eu sempre
pensei que seria impossível existir. Me firmei sobre minhas pernas, sentindo
aquilo tudo que estava ao meu redor, e pensei:
“Sim,
hoje eu sou normal!”
-
Este lugar me faz sentir coisas boas, eu até me sinto normal aqui! É
espetacular a sensação de sair de nosso círculo de conforto, e não precisarmos
de nada mais, de nenhum gênero!
-
E por que você não seria normal Valentim? Alguém bonito como você, inteligente
e tudo mais... Vamos, me diga por que seria esta tão temida besta celestial
bíblica do apocalipse? Logo você com esta cara de anjo...
-
Você não sabe muito sobre mim para dizer uma coisa dessas! – disse isso rindo
das últimas palavras de Leonardo.
-
Só sei que você não está bebendo e não está se divertindo... Se você é essa
fera selvagem, me mostre o seu lado predador...
-
Como?
-
Bebe vai... Se diverte! Seja feliz! Não quero ver esta cara depressiva hoje! A
vida é uma só, aproveite cara! Seja feliz, o mais feliz que puder!
-
Bom... Se hoje é “free”! Não me custa, né?
-
Não vai perder nada, só o medo de ser o que você é! O que é bem estranho...
Você tem que libertar-se de si mesmo, supere a você mesmo e seja mais feliz! Se
aceite... Não se descubra apenas!
-
Como? Não estou lhe entendendo... – fingia que a música estava alta para sair
daquela conversa que não gostava de entrar.
-
Está sim Valentim. Você sabe muito bem do que estou falando. Está estampado no
seu rosto, aqui e agora. Você é gay não é?
-
Não... Por que você acha isso?
-
Se não é gay, você é bi. Eu sei bem o que é isso, no começo se achamos desta
forma... Meio estranhos e anormais. Mas se deixe levar, você não tem que ter
medo de você mesmo. Perca os seus limites, aqui não estão seus pais e nem ninguém
de seu convívio! Seja você mesmo somente por hoje. E aí o que você me diz?
-
O que é ser bi? – tentava aparentar que não sabia, mas nunca havia conseguido
esconder nada, meu rosto não permitia, por mais que tentasse de todas as
formas.
-
É gostar de homem e de mulher, vai, você bem sabe. Ser atraído por ambos os
sexos, e isso não é nem um pouco vergonhoso e nem te torna estranho... E é isso
que você me diz?
-
O que mais poderia dizer?
Leo
virou seu copo, me olhou nos olhos e sorriu. Chegou até meu ouvido e sua voz
soou tão nítida e forte como um trovão sem tempestade.
-
E se eu disser que te amo cara! Que é difícil para mim te enxergar como alguém
que não posso ter...
Me
afastei sorrindo, não entendendo aquele tipo de brincadeira. Ele estava sério, com
os olhos cheios de lágrimas, mas sorria como se tivesse libertado uma dor de
seu peito.
-
Eu sou bi e eu te amo também! – Não pude conter as palavras. Há muito tempo
guardava aquilo somente para mim, e estava meio alcoolizado, se isso
justificasse alguma coisa.
Nos
aproximamos e nos beijamos. Estremeci quando me dei conta de que estava ali,
beijando aquele homem que eu amava. Queria naquele exato momento dizer para o
mundo que eu tinha sorte de amar e ser correspondido. E que queria destruir
todos aqueles sorrisos e deboches que me rodeavam, e todo o ódio e o rancor que
existia no mundo. Senti, pela primeira vez na vida, que era um homem completo
de verdade. Um homem realizado pelo amor.
-
E agora o que fazer com tudo isso?
-
Não sei Leo, isso tudo é novo para mim...
-
E quem disse que para mim é tão diferente Valentim? Você é o primeiro homem que
me trata bem e que me faz querer mudar para ser alguém melhor... Você
transforma alguma coisa dentro de mim... E eu não conseguia mais guardar isso
apenas comigo... Sofri muito pelo seu amor...
-
Você... Realmente me ama? Isso não é uma brincadeira?
-
Por que seria?
-
Não sei... É estranho pensar neste fato.
-
Não quer ir para outro lugar? Quem sabe para um lugar mais calmo, conversar um
pouco melhor sobre isso... Temos tanto para conversar, você não acha?
-
Eu acho que seria uma boa ideia. Minha cabeça está um turbilhão de coisas... Um
monte de coisas para dizer e tantas outras coisas que eu gostaria de ouvir...
E
aquele chão de banheiro gelado e úmido me fazia regressar para o presente de
droga. Eu tentava pedir ajuda, mas o meu celular estava longe de alcance e eu
não conseguia mais me movimentar. Toda minha vida estava passando em série,
diante de meus olhos. O que eu acabava de fazer? Estava morrendo? O que estava
acontecendo com o meu corpo, que não respondia aos meus instintos primitivos de
falar, de enxergar, de querer alguma coisa a mais do que aquela miséria, aquele
fim ridículo? Estava prestes a gritar quando ouvi passos em minha direção,
então apaguei, voltando para o passado de uma forma violenta, como um redemoinho
de palavras e visões que me atormentavam:
-
O que você está fazendo aí?
-
Nunca experimentou isso?
-
Não Leo, e nem pretendo... Se você realmente me ama como diz, deixa isso aí...
Sério... Por que isso cara?
-
Posso pela última vez? Não vou jogar fora, foi difícil de conseguir esta daqui...
Não quer experimentar?
-
Não... Melhor eu ir para casa... Quando você disse outro lugar para conversar, não
pensei que seria desta forma...
-
Tenta vai... Uma única vez... Eu nunca mais vou fazer isso... Não preciso
mais... Consegui o que mais queria neste mundo... Você é meu! Você me ama e é
meu!
-
Por que isso Leo? Não estou querendo isso... Não preciso disso...
-
É a última vez, eu prometo... Queria dividir esta sensação com você. Você não
sabe por quantas eu já passei, e o que isso já representou para mim. Era a
minha salvação dos piores dias de cão...
-
Isso nunca vai ser uma salvação... Está mais para fraqueza e falta de coragem
de enfrentar os problemas...
-
Não me julgue, vai... Você não sabe ao certo pelo que eu passei... Sabe o
mínimo sobre a minha vida... E acho que está na hora de saber um pouco mais...
-
Saber o que? Eu sei que você nunca foi aceito na sua família, e todas aquelas
histórias medonhas que você já me contou sobre como seu pai e sua mãe encararam
essa tal “doença”, como eles mesmos diziam...
-
Mas você não sabe nem o mínimo do que passei... E sempre foi por você. Por isso
digo que as drogas já foram minha salvação... Eu me apeguei em uma ilusão, mas
você é tão concreto, e isso que está acontecendo é tão bom...
-
Você já é crescido Leonardo, faça o que você quiser com sua vida. Mas não culpe
seus pais ou a sociedade por ser injusta com você! Você está sendo injusto com
o seu próprio futuro! Se isso é tão concreto, deixa essas coisas de lado...
-
Eu sei o que estou fazendo... E não preciso de nenhum sermão...
-
Não quero brigar por isso com você... Hoje não é dia disso, não é mesmo?
-
Experimenta... É a minha última vez e a sua primeira vez... Ficamos unidos por
mais um capítulo de história...
-
Eu não quero isso. Isso vai mudar o que na minha vida?
-
É tranquilo...
-
Vou para casa... Amanhã conversamos melhor sobre essas coisas, até por que hoje
não estaremos em estado e clima para isto... E não quero conversar com você
drogado e bêbado...
-
Temos a eternidade e para mim isso que importa... Você não sabe o quanto foi
difícil para mim ter que ouvir todos os dias coisas horríveis da minha família,
sem apoio nenhum... Me chamando de doente, me internando naquela porcaria de
clínica de reabilitação, como se eu fosse um monstro, um ser estranho que não
se encaixava dentro da sociedade. Você me ajudou muito nisto, me deu um lugar
neste mundo novamente, por isto e por tantas outras coisas, eu te amo.
-
E você não sabe o quanto estava sendo difícil para mim ou para eu, sei lá,
viver com a culpa, todos os dias, por amar sem saber se isso era correto, até
por que nunca pensei que isso poderia passar para outro nível além da amizade.
-
Mas passou... Você já tocou em algum homem, além de beijo?
-
Não...
-
Não que seja o meu feitio fazer isso, mas não estaria disposto a subir um pouco
mais o nosso nível?
-
Isso é estranho para mim...
-
Bem, estranho para mim também, mas é o que eu estou querendo desde antes, na
verdade há muito mais tempo...
-
Minha vó também não acharia isso estranho? Uma relação bem diferente para o
pensamento dela...
-
Ela não vai nem reparar na minha presença lá... E não estou querendo frequentar
a sua casa e nem que ela aceite nossa relação, se esta relação existir... Só queria...
-
Algum sentimento mais completo?
-
É... Acho que seria isso...
-
Larga isso aí... Vamos para minha casa. Posso lhe dar outro tipo de droga, uma
que faz bem para o coração e para a alma.
-
Eu te amo tanto Valentim! Queria morrer aqui e agora...
-
É bom morrer, mas renascer todos os dias sendo outro.
-
Tem noites que tenho insônia, quando dou por mim está amanhecendo o dia e eu
ainda estou olhando para o teto e pensando no quanto já fui ferido.
-
Eu não sou feliz o tempo todo, acho que ninguém consegue ser. Mas, seja o que
for que te feriu, deixe ruir... Quando a gente se permite, a não ser perfeito e
a fracassar, descobre que tudo a nosso respeito fica mais leve. A gente que
complica muito as coisas.
-
Mesmo assim, às vezes queria morrer. Seria a melhor saída para tudo...
-
Não... Morrer é imediatista, parece trazer a ilusão que é a coisa certa para
acabar com tudo, mas viver é muito maior. Imagine quantas pessoas estão
chegando e saindo da sua vida, quanta história você vai ter ainda para contar,
o quanto de coisas que ainda você vai fazer, o quanto vai sorrir, vai chorar,
vai amar, conhecer e ver... O mundo é tão grande, se ele ainda não é para você,
uma hora ele vai ficar. Agora largue essa maldita coisa, me deixa te amar sem
isso.
-
Mas isso preenche o meu vazio... Este vazio que é tão diferente...
-
Eu acho que sei mais ou menos o que é. E muitas vezes tentei preencher esse
vazio com as coisas que eu fazia, com as pessoas e tudo do meu redor. Hoje acho
que esse vazio está preenchido. Preciso ainda de tudo aquilo, mas preciso mais
de mim... Acho que passei a ser o meu próprio vazio. O problema não é ter o
vazio, é saber o que se coloca nele.
Ele
jogou a droga fora, e se olhamos daquela forma diferenciada de antes. Aqueles
olhos azuis e aquele cabelo loiro avivavam os meus sentidos. Era maior do que
qualquer sentimento e percepção. Era o próprio Narciso a minha disposição. Um Narciso
que me amaria mais do que a si mesmo. Puxei os cabelos dele e o beijei, como
sempre imaginava fazer nas tantas vezes em que ficávamos sozinhos em meu
quarto. Leonardo me abraçou e eu senti todo o mundo dos meus sentimentos
embarcando naquele beijo.
Fomos
apressados para a minha casa, que parecia um lugar meio desnorteado pela bebida
e pela sensação de estar vivendo um sonho. Quando chegamos, eu não achava as
chaves e lutei com a porta até conseguir abri-la, e fecha-la novamente depois.
Quando fui para o quarto, onde Leonardo já estava, eu encontrei ele sem roupa e
coberto apenas pelo escuro da madrugada, que se iluminava pela luz da cidade
que não parava lá fora. Então fui lentamente até aquele corpo vestido de
escuridão, despi-me, e nós nos conhecemos pelo toque até o amanhecer.
O
sol parecia nascer como em tantos outros dias, tão normais. Eu estava aliviado
e aceitando plenamente a minha nova condição. E isso era algo que ninguém
poderia tirar de mim neste mundo. A certeza que não existe engano. Olhei para o
lado e vi que Leonardo estava ali. Seus cabelos refletiam a luz do sol e
pareciam mais dourados. Enchi meu peito de ar respirável e levantei, porque
tinha que fazer a merda daquele vestibular. Fui, contrariando a minha vontade,
que era ficar por ali até o fim do dia, trancado naquele lugar por um dia
inteiro com ele. Minha avó já estava acordada, com a mesa posta:
-
Com quem você voltou para casa Valentim?
-
Com ninguém vó, por quê?
-
Isto aqui não é motel não, viu... Quero mais respeito... Agora tome o seu café
e vá fazer o vestibular... Espero que passe... Porque ontem a farra foi
grande...
-
Por favor Vó. Ninguém veio aqui. Só o Leo. Mas ainda está dormindo. Passou mal
ontem, e não tive como levá-lo para casa.
-
Eu já disse para não sair com ele. Ele é muito estranho para o meu gosto. Boa
sorte e vá com Deus meu filho.
-
Até mais Vó. Já estou atrasado, fui... Ele vai ficar dormindo... Trate ele bem!
-
Fazer o quê? Boa educação eu ainda tenho.
Não
podia voltar atrás. Ele era a pessoa da minha vida. Nisto eu não tinha mais dúvidas.
Será que ele sentia tudo isto por mim também? Será que estava imaginando coisas?
Pensava
nestas tantas informações, enquanto escolhia as respostas corretas das
perguntas que não faziam mais nenhum sentido para o dia, apesar de ter
repassado o conteúdo por vários meses seguidos.
-
Valentim! Meu Deus ajudem, ele está passando mal, chame o resgate Júnior ele
não está bem... O que você fez com você seu idiota?
-
Isso não é hora Valkíria!
-
Eu já chamei o socorro, está a caminho... Pobre coitado... Parece que está...
Vou ir lá embaixo e ficar esperando... Qualquer coisa interfonem para a portaria
que eu subo... – Dona Lúcia pálida e quase sem ar, saiu correndo com o celular
do lado do ouvido, pensando no pior:
“Meu
Deus! Devo alertar que o caso dele nem ambulância não é mais! Já é necrotério
mesmo! Tão bonito e morrer deste jeito! Que Deus o ajude!”
-
Ele estava lá com a minha vó, sentado com ela na cozinha, Valkíria. Ela me viu
e me chamou por nomes horríveis, disse que eu não prestava e que era um ingrato
por fazer aquilo com ela – Então respirei...
-
Ele quem? O que você está dizendo Valentim?
-
Leonardo... Ele acordou no dia que fui fazer vestibular e contou para ela...
Ela me expulsou de casa e não deixou eu nem vê-la no hospital...
-
A sua avó? Valentim, você não está falando coisas sensatas, descansa que o
socorro já está chegando...
-
Minha Vó teve um ataque do coração quando peguei minhas coisas e fui embora
morar com ele... Eu matei minha Vó por este desgraçado... – eu havia apagado
novamente.
-
Chega! Calma! Tudo vai ficar bem! Valentim... Acorda Valentim... Meu Deus ele
morreu... – Valkíria entrou em desespero ao ver que eu não reagia mais a nenhum
estímulo.
-
Não morreu Valkíria, acalme-se você... Ele está respirando, mas acho que está
em coma ou coisa do gênero... – disse Seu José.
-
Não Júnior, por que tudo isso? Valentim, meu amor, tudo vai ficar bem...
Eu,
Valentim, havia definitivamente entrado dentro de meu regresso. Estava preso
dentro de minha consciência passada. Em coma temporal. E não adiantava de nada
Valkíria beijar a minha boca. Aquilo não era um conto de fadas e eu não era a
“Bela Adormecida”. Nesta estória não haveriam maças envenenadas, apenas drogas
e bebidas alcoólicas. Nem bruxas e sete anões, apenas uma aberração e os sete
pecados capitais. Eu estava no passado, mas ela estava com meu corpo, no
presente.
-
Como vamos pagar o aluguel daqui Leo? Eu não tenho emprego, e ainda por cima,
tem agora a faculdade... Não sei se vou fazer...
-
Lógico que vai! Você vai dar um jeito... Nós vamos dar um jeito. Você se
esforçou muito para abandonar tudo agora... Valentim, meu amor, tudo vai ficar
bem...
-
Como? Me diz, como?
-
Você quer saber como eu conseguia tanto dinheiro? Pode ser que esta seja uma
saída... E espero que compreenda que nunca mais fiz isso desde que começamos a
namorar... Não me sinto mais capaz disso...
-
Você não quer me dizer que vendia drogas, seu corpo ou coisas assim? E não vou
aceitar o dinheiro da sua família, você mesmo não aceitaria nada que viesse
deles...
-
Não é nada disso... E o dinheiro de meu pai eu já mandei ele enfiar no meio do
cu... Não preciso deles para mim sobreviver, e sou o desgosto dos meses de
gestação de minha mãe, como ela já me disse...
-
Então como?
-
Eu não vendia meu corpo, mas dançava em uma boate, era stripper.
-
Você o quê?
-
Com o dinheiro dava para me manter. Se você quiser podíamos tentar, enquanto
não conseguimos outra coisa...
-
Você nunca me disse nada sobre isso...
-
E de que forma eu iria dizer... Não tinha outra forma para mim... Precisava de
um emprego imediato, e quem vai dar emprego para alguém sem experiência e filho
de um empresário modelo, como dizem as revistas? Nem faculdade eu tenho.
-
Isso é uma coisa que nunca imaginaria...
-
Ainda conheço a Madame Kassandra.
-
Quem?
-
A dona do lugar... E você pode muito bem fazer isso... Tem um corpo maravilhoso
e esta feição angelical e máscula que... E aí, não vai dizer nada?
-
Não sei mais o que pensar... A vida como sempre me deixa sem palavras!
-
É a maneira mais imediata de nós conseguirmos viver dentro desta sociedade de consumo.
E temos o que querem... O nosso corpo é um belo produto, ou vai me dizer que
não?
-
Tem certeza que ela paga bem?
-
Quanto a isso não precisa ter medo... Paga bem e direito, sem atrasos...
-
Se for para ficar com você, até achar algo melhor, eu topo. Mas nada de sexo ou
coisa assim?
-
Sim. Nada disso. Só tirar a roupa mesmo. No máximo uns velhos tarados com mãos
bobas, que não causam nenhum mal. Isso vai me machucar muito, mas precisamos
viver, né?
-
Sim. Precisamos viver. Quando falamos com ela?
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