sábado, 31 de março de 2018

Empoderado

“Por que você não vai para a merda?” – estava escrito na tela do meu celular.
Poderia enviar e depois dizer que tinha sido um engano. Apaguei a mensagem, pois não queria me sentir rancoroso ou me passar por burro e desorientado. Também não liguei a televisão, sempre a mesma coisa, e pelo meu trânsito astrológico isso não era nada bom. Havia cansado da habitualidade dos fatos.
Se minha mãe me visse agora, ela diria: “Você não tem vergonha nesta cara? Chorando por um homem? Vai lavar a roupa, procurar um emprego, parar de pensar só em você!”.
- É mãe! Você tem toda razão! – Mesmo assim, me joguei no sofá e esperei a cidade ficar mais calma, sem tantos barulhos para me distrair. Estava prestes a explodir e levar comigo todo o meu quarto-sala, e com ele a infestação de formigas (daquelas marrons e pequenas) do balcão de segunda mão, com a porta da frente quebrada e esfarelenta.
Os pensamentos ficavam mais introspectivos, na medida em que deitava sobre um punhado de travesseiros amarelados. Dentro da minha introspecção ensimesmada, lembrei de quando vim para cá. Eu tinha um grande amor, um pensamento que sempre me dizia: “Sim, você viverá os melhores dias da sua decadência!”. Mas as coisas não são bem assim, e eu havia sido advertido pelo meu pai e por toda minha família:
- Já é tudo que é. Se sair por aquela porta para viver com ele, não volte mais para esta casa! – meu pai praguejou olhando pela janela afora, sem ao menos se virar para olhar o seu único filho ir embora, enquanto toda família de cabeça baixa e em silêncio, cortava o vínculo que me prendia dentro daquele mundo de submissão e desrespeito, por quase vinte anos de minha existência.
Eu falava baixinho comigo: “não olhe para trás, sua mãe teria orgulho de você”. Mas ela partiu mais cedo, me deixando na idade mais escura de sobrevivência. Agora foram-se as rosas, os sorrisos e todos os livros de romances. Ficaram as coisas quebradas, um homem em ruínas, que não toma um café descente há alguns meses, e isso me preocupa. Não. Muitas coisas me preocupam. Sim. As horas não passam.
Talvez eu seja o quadro de natureza morta da minha sala e não saiba. Quando a vida é feita pelas formas que representam, mesmo sabendo que aquilo não existe e que é apenas uma tela pintada na vertical. E talvez eu seja apenas um humano na vertical, jogado no sofá, esperando o silêncio da minha natureza morta. Hoje, todo mundo é tão barulhento!
E parece que vai chover dentro da minha selva mental. Sou o próprio exílio de mim mesmo. Apaguei todas as luzes para tentar ver as estrelas, mas com uma noite nublada e com tanta claridade nesta cidade, isso se torna cada vez mais secundário e impossível. Onde está a vontade de correr para o meio do nada e ficar lá tricotando com o universo?
Nesta casa vazia da sua existência, eu choro. Talvez eu tenha ido embora junto com todas as suas coisas, ou eu simplesmente fosse uma peça de roupa colorida que você usava e me dava para lavar. Eu não vou mais lavar nada, nem fazer torta de frango, nem escrever poesia, cantar alto no chuveiro, sair e encher a minha cara. Joguei o vaso de flor que você me deu no lixo. Queria ter me empacotado e ido junto, mas não tinha um saco tão grande para tamanha miséria. Não mãe, não tenho vergonha na cara. Sim mãe, estou chorando por outro homem. Um homem que está mais para um garoto.
E se me jogar? Não apenas no sofá. Nesta droga de sofá com um furo de cigarro no encosto. Sempre desejei não conhecer o cigarro e nem mesmo você. Mas hoje não vou acender mais nenhum câncer, não tenho dinheiro para sustentar os meus vícios. Desgraçada essa coisa toda que é viver. Será que você consegue dormir sem pensar no que ocorreu?
Eu não me sinto culpado por ter bebido além da conta, deixado uma impressão negativa sobre a minha imagem. Se bem que você me conhecia, e não gostava de mim de verdade, preferia me amar quando não estava sóbrio. Não pense que nunca reparei nisso. Logo eu, o pisciano iludido. Amor amado, estou rendido. Jogado neste temporal dentro da sala, sem minha capa de chuva amarela, sem a plenitude e apenas com os raios e relâmpagos.
E ainda sinto aquelas tantas coisas: caminhar na relva molhada, imaginar um arco-íris sobre a cabeça, um vestido florido, uma poesia sem métrica, sem rima, sem nada que é tão barulhento. Você abriu o meu peito, já sabendo que eu não era projetado com saídas de emergências e escadas de incêndio. Sabe que sempre gostei de ruir depois que toda a minha estrutura ficava em chamas.
“Foda-se você!”
Sim, eu mandei isso. Estava engasgado na minha garganta, preso na tela do meu celular, como um grito sinérgico, como uma overdose da droga que é amar você. E como sempre, fiquei sem resposta. E se me jogar? Não apenas no sofá. Provavelmente não ganharia nada, nem um bom descanso eterno, nem a capa do jornal do domingo. As horas passam, mudei de ideia.
E não é tão silenciosa a hora mais escura da madrugada. Pensei que se todo o barulho lá de fora se cessasse eu poderia deixar de ouvir o barulho que tenho no peito, mas não funciona desta forma, pelo menos não comigo. Eu não preciso de um despertador pois minha insônia diária me garante bons e duradouros minutos de pensamentos, cabeça cheia, repleta daquelas mesmas besteiras:
1. De estar farto da minha xícara sempre pela metade;
2. Do remédio para dormir;
3. Das comidas prontas que aqueço no fogão, porque o micro-ondas está quebrado, o país está quebrado e eu estou na mesma;
4. Toda esta pilha de papéis que precisam ser reciclados, e as roupas que precisam ser guardadas, todas esparramadas pelo chão em que escondo minha miséria na maior parte do dia, quando não preciso sair atrás de um emprego, atrás de comida, atrás da luz do sol e de um sorriso que não seja o meu. Atrás de crédito para o celular porque estou sem wifi usando meus dados móveis.
Usando o pouco daquilo que ainda tenho para mandar você ir se foder. O que aconteceu com meu linguajar? Onde foi o garoto empoderado? Cresceu e virou um homem arruinado? Por que não troco a cor desta parede? Tudo bem, já sei, é porque não tenho dinheiro e nem mesmo vontade.
Quando o sol vai romper a barreira do escuro? Dentro de mim tem tanto barulho que não consigo nem mais parar para respirar. Virei um buraco negro sugando a sua matéria. Que idiotice a minha, meu sentimento é imaterial! Então vai, para longe de mim!
Como posso querer e não querer todas as coisas? Por que não me contento com meia xícara de café? Com meio sentimento besta? Com metade da metade da laranja? Com o número 47 do bloco 3 onde moro? Isso é preocupante! E se me jogar?
Justo eu o homem apático, o homem que saiu com todas as cores de uma bandeira. Para o armário eu não volto! Para a casa de meu pai também não! Para meu último emprego muito menos!
Trabalhar em um lugar aonde você é lixo, um completo idiota, andando pelos cantos, olhando para baixo, evitando conflitar com os outros olhos que lhe derrubam e quebram o pouco de dignidade que ainda te resta. Ser diferente não presta. E me sinto um eterno imprestável.
E para você absolutamente não volto! Eu não volto, porque nasci sendo apenas uma ida. Um caminho sem voltas para cada dia a menos de vida. Não posso voltar, sou como o tempo que só anda para frente e não para em nenhum segundo.
Quebrei o seu perfume, joguei fora o que era seu. Está lá na garagem ocupando a vaga do carro que ainda não tenho. Queria meter fogo naquela porcaria toda. Já fui multado pela droga da discussão do outro dia. Tive que ouvir:
- Além de bicha é escandalosa!
Mas eu não sou uma palavra de gênero feminino, eu sou um homem e tenho este direito! Me chame de escandaloso, de espalhafatoso, de amigo, me chame de nada. Grita meu nome! Manda me bater quando eu saio montado na rua! Não estou mais nem aí para os seus preceitos...
E volta o barulho. E volta tudo aquilo de antes. As horas que não passam, os olhos que não fecham, a vida que não muda, essa sede de café com vodca, com whisky, com cigarro, com scarpin preto, com o murro que você me deu na boca.
E se me jogar, aqui do quarto andar? Talvez fique alguma coisa para alguém reclamar e depois chorar na sepultura. Tenho certeza que quando morrer eu serei apenas mais um colorido. Serei todas as cores do mundo e eu não precisarei mais ouvir tanta gente barulhenta fazendo mais e mais barulho.
Eu ainda prefiro o escuro, de manhã fico desnudo com os meus hematomas arroxeados. Nem toda maquiagem do mundo disfarça os restos que tenho por dentro, os cacos quebrados da minha memória, de quando fui deixado neste lugar chamado mundo, que cheira a desgraça e destroça qualquer razão.
Hoje? Não posso evitar, tenho que descer e tentar a sorte. Minhas contas não se pagam sozinhas. Eu aqui me sentindo esta alma vagabunda, encalacrada, cuspida para fora da boca do criador na criação. Quem cria tanta desgraça no mundo? Por que não posso ser o homem empoderado que eu já fui? O homem que quando coloca seu scarpin preto fica maior do que uma super potência, faz o país crescer, a economia girar, a chuva cair e a vida se colocar certa no seu eixo?
Não quero um tapa, eu quero um beijo. Não quero uma agressão, eu quero um abraço. Não quero uma ofensa, eu quero um emprego. Quero poder ser chamado pelo nome que escolhi, ser amado por aquilo que represento. Não quero um colar de diamantes, eu quero uma xícara de café expresso, um dia menos barulhento, um sorriso não tão forçado, um presidente que seja eleito democraticamente.
Cansei de usar a minha maquiagem e ser categorizada como a drag, o espalhafatoso, a mulher de pica, o diabo a quatro. Todo aquele barulho designado pelo nome preconceito, que tenho que ouvir cotidianamente. Você era apenas mais um barulho disfarçado, e eu alguém que acreditava que pudesse não ser uma ingratidão.
Chega por hoje, eu só preciso de um cigarro. Preciso de alguém que diga “eu te amo” sem me deixar todo marcado. Sem que depois de tudo que passamos eu não precise ir para o hospital cauterizar uma ferida.
Eu só quero existir. Existir sem tanto barulho. E se me jogar? O meu gênero é humano e meu gosto simplesmente o amor. Quem vai colocar uma drag suicida no jornal do domingo? Ainda se eu fosse um homem empoderado...

O SENHOR DA MADRUGADA. Vinicius Osterer.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Estupro Coletivo


Estava morto dentro de um cômodo no segundo andar, pois a sujeira apenas trocava de rosto. Abaixei o porta-retratos na cabeceira, que me lembrava de toda a violência. Em uma fileira de dez em dez eram empurrados contra a parede, baixadas as calças e enrabados com grosseria pelas costas, tomando no meio do cu. Um suor excessivo, uma boca salivante, dilacerando e rasgando as páginas do meu diário imaginário.
– Amor no mundo virou mito - Estava morto e estirado sobre a cama. Com carteiras de cigarro e um punhado de remédios que não me faziam mais dormir. Não queria descer até a festa, queria descer esgoto abaixo, junto com o cheiro forte de urina que vinha da minha privada.
Misticos e exóticos, eles chegariam trajados com suas melhores roupas, mergulhando dentro dos panos um punhado de merda líquida, como uma diarreia de mentiras. Eu vestiria minha fantasia habitual, tendo sobre os meus braços cansados o medo de escurecer incertezas. Não deixaria que as luzes se apagassem, porque no escuro não decifrava a oração.
No claro, um punhado das minhas fotografias eram apenas objetos de decoração, quadros mortos de imagens mentais que eu já tinha sido. Lá em baixo entravam os arranjos de flores, pela porta frontal, enquanto na cozinha o serviço de Buffet impregnava tudo com bosta da melhor qualidade. Eu estava morto dentro de um cômodo sem janela no segundo andar.
Cuspindo na minha boca alguém veio e disse “levanta, chega de drama”. Me pegou pelos cabelos, me jogou no chão imobilizando o meu corpo. Minha melhor amiga era a empatia, que fazia sobre os meus dias de cão, escolher sofrer e não partir. Temendo morrer me escondi atrás da minha camiseta social preta com brilho, trajando as palavras que nunca me fizeram falta mas faltavam. Aos poucos alguém foi me silenciando.
Então desci a escada, valsando com os dedos a minha decepção por estar vivo, trajando apenas um pouco da minha vergonha na cara e a responsabilidade de ser um bom anfitrião. Naquela festa de máscaras estava debutando, apresentando a sociedade a bicha toda montada que nunca fui, a “Viada Lírica, Melodramática e Louca”. E dançando como um sonâmbulo, travava meu queixo em um alter ego ruim.
Andando pelo salão estava sendo observado. Começavam a chegar os mascarados, e  eu cumprimentava um por um, dando sempre minha mão direita, com um sorriso todo esquerdo no rosto. Alguns vinham até meu ouvido dizer:
- Posso cavalgar sobre você ereto?
Alguns mais complacentes pediam com um por favor ou obrigado. Alguns só queriam que eu me sentasse e repousasse em tudo que fosse vertical. E eram postos de dez em dez, marcados como um rebanho, colocados para dormir como nenéns que precisavam mamar.
Ele então chegou até mim sem verso rimado, sem máscara alguma, dizendo “meu nome é Solidão”. Inflado em meu ego enchi mais um copo, subi as escadas e pedi que viesse comigo até o quarto. Ele exitou entre as incertezas e fez seu silêncio. O silêncio mortal que se faz quando se tem medo das consequências.
Me senti salvo. E os olhos do meu salvador eram duas bolas graúdas e redondas, sobre um emaranhado de samambaias escuras, que ele tinha na cabeça. A categoria homem o fazia não ser a mulher que era por dentro, crucificado sobre o drama que a vida lhe deu, a parábola e o evangelho de um homem solitário. Não caber dentro de nada, mas ser dois universos em um. Então falei bem alto:
- Vem!
Estava trabalhando minha coesão gramatical, e minha total falta de desleixo. Mal redigindo meus pensamentos, não percebi que um demônio o apavorava. Ele vomitou na sala de estar e se trancou no banheiro. Desci até ele entendendo todo o fato.
- O mundo é sujo mas eu não sou! – tentei argumentar.
Me jogavam frequentemente sobre as ruínas do que fui. Então acabei ruindo sobre ele a minha porcaria toda. Ele salvador, vomitando uma miséria humana de um estupro, qualificado como a maior de todas as violências e agressões. O homem que ele era, estava atrás de um par de óculos. Eu não tinha nada mais a esconder, desci da “Viada” e passei a ser um menino. Chorei alto chupando o meu dedão, enquanto usava o do meio, para ofender o homem de roupas escuras, que se masturbava com toda a situação.
Todas as portas estavam trancadas. Eu deveria voltar para dentro da minha concha, o deixando em paz. Era paz que faltava dentro daquela casa repleta de sujeira e imundice. Ele representava o nascimento de uma Vênus moderna em mim. Toda vez que me afastava em um mar de tempestades, enfrentava-o de olhos parados com minha jangada de cordas e galhos.
Todas as pessoas com que me deitei eram estúpidas, socavam e metiam ou queriam que eu metesse como animais que são. Estava largando as redes sociais e passando por um processo de humanização constante, onde tudo sem efeito parecia ser melhor e verdadeiro.
Então o deixei no banheiro. Precisava pensar e colocar a minha cabeça no lugar. Não estava certo toda a conjuntura destes fatos. Deveria ter prestado atenção ao primeiro sinal quando queimou a luz do banheiro, e quando a primeira lágrima caiu na folha de papel.
Voltei para meu quarto sem janelas. Me deixei ficar ao chão enquanto trabalhavam sobre meu corpo. Eram dezenas de pessoas o rasgando e o mordendo, com brutalidade e maestria. Aos poucos a dor não era mais sentida, o horror não banalizado, a vida toda colorida passou a ser um filme preto e branco censurado. Flores aos bancos, velas aos santos, pão aos injustiçados. Beijava um mundo com meus olhos, sem o traje da noite anterior, pois ali estava também eu, estuprado e despido sobre meu próprio peito, que se inflava e esvaziava a duzentos por hora em um segundo, arfando sobre minha existência a vida que não queria mais ter.

O SENHOR DA MADRUGADA. VINICIUS OSTERER.

quarta-feira, 21 de março de 2018

"Já Sinto"

Se pararmos para pensar (quando quisermos parar e fazer isto), nunca se atentamos ao que parece ser tão óbvio. Complicamos com palavras que não são ditas, ou ditas até demais. Complicamos a maneira de encarar um imprevisto ou a nossa ausência de maturidade. Complicamos de uma forma ou de outra o que não deve ser complicado. Se me permitir exemplificar com uma ideia rasa e pouco elabora, para quem não se permite olhar o “óbvio”, o próprio sentido da palavra “óbvio”, não será nada “óbvia”. E dentro desta brevidade de pensamento, surge em mim e em meus olhos, algumas das coisas que já me referi há muito tempo por aqui, sobre minhas opiniões quando o tema é a classificação e a criação de rótulos sociais, ou como queira autodenominar.

O que de fato aconteceu é que estava sentado na cama com um bocado de papéis em branco, esperando que eles fossem preenchidos com ideias que não vinham. Me deu aquele branco ingênuo e cheio de inocência, de quando a gente se apavora contra o tempo perdendo o fôlego e a noção de todos os cinco sentidos. Calma, respira...

Pensei “até que ponto estava sendo neutro? Até que ponto estava errado?” Ontem mesmo na aula de didática fiquei sabendo que a educação não era neutra, e passei a repensar se o que eu fazia era tão neutro assim, com as minhas colocações. Dentro de um processo que eu carinhosamente chamo de “ampliação psíquica através da influência dos meios digitais” (olhar as redes sociais ao acaso e sentir-se estimulado para produzir alguma coisa por outra coisa), me lembro de um projeto que cheguei a olhar anteriormente com outros olhos que não os de hoje.

Quinta passada, inserido dentro de um mundo aparentemente amável (onde eu habito, mas regido pelo caos), chegou até mim um projeto de fotografias que muitos diriam “são apenas fotografias”, mais especificamente nus artísticos. Passei meus olhos rapidamente e me questionei quais eram os seus intuitos, pois algo em mim dizia que o que constava na descrição sobre o projeto, era mais denso do que eu esperava (quando se tem muita água no seu mapa astral, confie sempre na sua intuição, se acreditar é claro!). Nunca fui aquele tipo que se inquietava se dissessem que o sol era amarelo. E dentro deste amarelo todo, tinha cor demais, era um amarelo bem colorido. Cor até que nem eu imaginava que existisse. Fiquei com esta ideia fixa pelo fim de semana todo, rolando umas palavras daqui e dali, até o episódio de hoje sentado na cama.

 Na descrição do projeto:
 “Jacinto é um projeto fotográfico de resistência, confrontação de padrões e, acima de tudo, orgulho gay.”

Fiquei pensando até que ponto existiria uma diferença entre aquilo que estava ali escrito (o que eu entendia) e o que eu não conseguia enxergar (o que de fato era). E não me atentava que a própria resposta era o tal do “óbvio”. Quem não olha a outra pessoa como um ser humano, que de fato é, continuará mordendo a cauda do ciclo de depreciação, distanciamento e sucateamento humano em que vivemos (péssimos tempos, diga-se de passagem). A simplicidade de um movimento, parado em determinada foto do “Projeto Jacinto”, pareceu enaltecer a vida que existia dentro de todo aquele caos de quem se propôs a fotografar.

O ser humano precisa sentir na pele. É sentindo na pele que evidencia-se o real do que é acessório, o necessário do que é superficial. Sem puderes, sem coisas que os deixam cada vez mais reféns de si mesmos, criando certa resistência. E resistir passa a ser um sentir.

            Muitos antígenos são inseridos dentro de nossos corpos ainda na infância, para criarmos a capacidade de resistir e dar suporte aos nossos anticorpos, quando entram em contato com determinadas enfermidades. Confrontar o padrão e exaltar aquilo que se é, passa a ser um antígeno moderno de resistência.

E procurando uma ideia para encher um bocado de papéis vazios, depois de ficar absorvido com o trabalho fotográfico de Anderson Favero, consegui fazer o que não pretendia, observar o que é tão óbvio de um jeito singular e não tão complexo. Observando o óbvio me dei conta de que já sinto um punhado de coisas, e por me permitir senti-las estou cada vez mais resistente e confiante que o “tempo líquido” de Bauman, é apenas uma perspectiva pessimista da realidade.

(Para quem se interessar pelo projeto: https://www.instagram.com/jacinto.foto/)

Dia 20 de Março de 2018, Vinicius Osterer.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Eu Não Vou

Eu não vou. O que você não sabe é que se dissesse qualquer “ai” este aqui que sou, largaria tudo e iria embora, usando a mesma resiliência e coragem que este você acabou me dando. Embora para qualquer lugar, tentar qualquer coisa, nem que fosse de qualquer jeito, com este você.
Isso não nos contam quando pensamos em nosso futuro. Não contam que propósitos, hábitos, perspectivas e necessidades mudam. Que as pessoas são mutáveis e não descartáveis dentro deste processo. Não me falaram quando fui alfabetizado que deveria ser alguma coisa além do que sou. Nem me instigaram a real necessidade de ter um punhado de outras coisas que as pessoas de vinte e cinco anos já tem.
Seria patético acreditar no amor quando eu mesmo queria sair encher minha cara, não que hoje viver não se resuma a isso, acabei virando um conjunto dos meus melhores erros mais comprimidos. Nem tudo se aprende com livros, com os pais, com a vida. Pessoas vêm, com elas universos infinitos, cheios de crianças sonhadoras que já se perderam pelo caminho. Em algumas brilham aqueles olhinhos de curiosidade e aflição, em outras sente-se um pavor inerente do escuro, a dor de quando coloca aquele remédio que arde com um Band-aid por cima...
O que este você não sabia, é que se dissesse qualquer “ai”, este que sou eu largaria tudo e iria embora. Não nos ensinam que o melhor lugar do mundo é perto da segurança daqueles beijos mortais, que sopram na alma o que as estrelas sussurram no céu.
Não me ensinaram quando disseram: “vai para o mundo” que ele seria assim. E eu não vou... “tirei meu calçado com cuidado para pisar sobre o gramado, tinha um sol muito forte que vinha sobre minha cabeça cheia de cabelos vermelhos. Por todo jardim se observava um punhado das mesmas árvores, abraçadas com sua própria existência e solidão. No topo de uma montanha, onde o horizonte se perdia de vista, estava ela. Senti a força de suas raízes e a sombra dos seus olhos castanhos. Rodopiei e busquei por um repouso. Ela me disse: algo em você está diferente. E talvez algo em mim tivesse de fato mudado. Dentro daquilo que fui educado a ser, surgiu um espírito de humanidade que se mesclava cada vez mais com aquela árvore solitária. Me diziam frequentemente para buscar pelos frutos, pelas flores, mas só queria buscar a vida. E ela me empurrou para cima, levando meu horizonte para um horizonte maior. Depois me jogou para o chão dizendo que deveria ser solitária...” Eu não vou...
Na estrada do sol, com as nuvens tempestivas, com a solidão de minhas almofadas. Histórias de amor não são contadas, são construídas. E eu não vou se quiser que eu fique, se não quiser, também não vou te esquecer assim tão fácil. O que você não sabe é que se dissesse qualquer “ai” este aqui que sou, largaria tudo, isso não nos contam quando pensamos em nosso futuro.

Dia 19 de Março de 2018, Vinicius Osterer.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Oásis

Para mim e digo apenas por mim, comecei a fazer o que mais temia, categorizar e separar as pessoas por classes distintas na maneira como sentem e são sentidas. São três de uma maneira geral que eu conheço: as dromedárias, as beduínas, e as oásis.
As dromedárias, como o nome já diz, são aquelas que te fazem sentir que não estão sozinhas no meio do nada, te levando de um ponto ao outro, com o menor gasto de recursos possíveis, por não serem complexas e estarem adaptadas ao ambiente em que vivem. É desta forma que amam e que aprenderam a amar, dando tudo de si em um sacrifício constante de levar consigo e em suas costas uma bagagem imensa de universos e histórias, por longos dias, anos ou décadas, pisando em terreno arenoso e não estável. Podem ser sentidas como cheias de seus altos e baixos (corcovas), mas adaptadas a todas as intempéries possíveis para se manterem vivas, não deixando o amor se perder pelo caminho.
As beduínas são como os povos nômades do deserto, não estabelecendo um lugar para ficar e sentir, mudam de sentimentos como mudam de lugar, dentro de um egoísmo (de natureza humana) exaltado no alto da cadeia alimentar e cultural que elas mesmas inventam. Donas de si, sabem para onde precisam ir, e nunca estão sozinhas. Sentem-se solitárias, e nunca irão cruzar o deserto sem alguém, muitas vezes amparadas por dromedárias ou espécies que ainda não me foram sugeridas e/ou observadas. Amam aquilo que é benefício para mantê-las seguras e salvas, perante a falta de conforto e de recursos, que não podem carregar com as mãos e dentro dos bolsos. Enfrentam o calor dos dias e os frios da noite, sabendo que sozinhas não poderiam viver por muito tempo. Escondem-se atrás de proteções (vestimentas), criam expectativas falhas e finitas com prazo de validade (criação de cabras para o abate). Podem ser sentidas como verdadeiras vencedoras e guerreiras, por vivenciar situações não consideradas “normais” pelos demais, mas não se engane, são bem adaptadas e como qualquer outro animal de natureza humana odeiam serem contrariadas em seus ideais, estabelecendo uma relação pelo o que alguém pode lhe propiciar e não acrescentar na vida.
Enfim chego nas oásis. As pessoas que mesmo que sintam ao seu redor um punhado de deserto de sentimentos, conseguem manter-se vivas e fiéis pelos rios mentais que as alimentam (fé, esperança, amor...). Tendem, na sua grande maioria, gostar daquilo que parece impossível (amam dromedárias e beduínas), com péssimo hábito de sofrerem por aqueles que sofrem por terceiros. Permitem-se ao papel que lhes cabe, deixando repousar sobre suas sombras todas as outras pessoas, que buscam relaxamento, que precisam espairecer e tomar um ar, dar um tempo, levando alguma coisa delas e desaparecendo como visagens no horizonte. Transformam o pior dos lugares em lugares adaptativos, pois nasceram para isso e não conseguem relutar contra sua natureza inventiva, construindo castelos de selva no meio do nada. São buscadas no fim da vida ou no fim das decepções, que todos os outros levam pelo caminho, como uma forma de conforto e paz imediatos. Mas, não se engane, pessoas oásis podem ser sentidas como frágeis e equilibradas, dispostas a distribuir vida, porém escondem dentro de si um punhado de diversidades e venenos que apenas o tempo (por aparentemente parecerem sempre imóveis) lhes deu de aprendizado. Suas mudanças nunca são repentinas e nem planejadas, mas espontâneas e para cima. Você nunca verá uma oásis ser a mesma oásis duas vezes, apesar de não demostrar reais mudanças.
Aprendi a ser uma oásis, não digo que serei uma oásis para sempre. Sempre ser uma oásis é complicado, quando se tem aquele bocado de vida em um mundo completamente deserto (é bonito ser a vida rasgada, dentro das cicatrizes no desenho amarelo de areia). E você, como você se identifica?

Dia 14 de Março de 2018, Vinicius Osterer.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Não (HÁ)ha Fuga

Não há uma fuga. Essa crise ética, moral e social está me desgastando. Como cidadão não quero mais ouvir e ver nada sobre isso. É uma brincadeira ou é sério toda essa balela que me fazem engolir diariamente pelas mídias sociais?
Não há uma fuga. Acreditar que eu posso entrar em uma faculdade e ter mercado de trabalho profissional. Nem sei se estou na condição de imigrante, fugitivo ou refugiado. Não há fuga. Me afundo no cinismo de minhas mentiras, e grito antes de dormir para meus travesseiros: não tem como fugir!
Esse é o meu papel de homem da raça ser humano. Aquele que precisa sentir um punhado das coisas que não quer, pensar em um punhado de coisas que não deve, fazer um bocado de escolhas que não sabe para onde e no que vão dar. Me pego sentindo o amor por olhos outros que não os meus, e decidindo se devo jogar tudo para o alto e seguir meu caminho sem ser questionado. Afinal, a vida é minha, quem dita as regras sou eu.
E se o meu sistema pessoal jurídico estiver prejudicado com visão curta? Nesta coisa toda patética fico perdido. Talvez não esteja preparado para o fato de que não há fuga de si mesmo.
Não há fuga do fato de amar iguais e diferentes, nem do fato de estar em outra cidade tentando mudar a vida e dar prosseguimento aos próprios sonhos. Não existe uma fórmula mágica para sorrir todos os dias, para não ter uma doença crônica, ou não estar na roda do carma. Não existem explicações lógicas de você detestar alguém por ele ser alguém, de você gostar de alguém por ele ser alguém, e se o alguém que ele é não passar de um personagem?
Eu sou um personagem. Às vezes até não me cabe o papel de humano. Não me cabe cor alguma, não me assenta em nada o amarelo, e insisto em vestir verde. Insisto em fazer escolhas, insisto em amar quem não se deve, escrever sobre o que não se escreve, gostar de ir quando todos estão vindo.
Não é mais minha cor de cabelo, nem sobre quem sou eu perante o espelho, é sobre meu homem de vinte e quatro anos camuflado atrás de uma cortina velha e transparente, repleta de flores de plástico.
Não há fuga. Você não vai achar uma saída dentro de um copo de bebida, em uma festa do final de semana, em um manual de técnicas e ferramentas, em uma revisão bibliográfica do tema de pesquisa, em um ônibus a caminho de casa, nas conversas e besteiras com os amigos...
Não há fuga. Você não pode fugir do que é real com irrealidades esporádicas e momentâneas, criando um caminho de pedras douradas que lhe leve para ver o grande mágico de Oz. Não há fuga nem dentro do próprio sonho. Inconscientemente eu tento. Tentar é minha forma de sobreviver.
E no mais tardar de hoje, talvez entenda que este serei eu até que outro eu não o seja. A vida é movimento, às vezes pendular, indo para frente e para trás. A vida é movimento, às vezes em sentido horário, somando minutos e mais minutos, temporalidades e sucessões das escolhas. A vida é movimento, e ficar parado não é estar em inércia. Talvez seja apenas meu corpo em repouso, tentando dormir quando o sono não vem.
Há uma fuga? Achei um paraíso temporário para a minha permanência. Um oásis no meio de tanta insegurança e frustração. Cada um pode ter o tamanho e a grandeza que quiser, dentro de qualquer forma. Estou abrindo outras portas e levantando as pedras primordiais para construir o meu castelo, que chamo carinhosamente de existência.
Não há um meio de viver e parar de fugir? Talvez por hoje o personagem que sorri não me assente bem, e só por hoje você tenha convalidado um sentimento do qual não fujo, pois não sou de fugir à toa. Por mais que isso machuque, não há uma fuga. Me pego sentindo e não tenho como sorrir por isto. Este sentir todo não sou mais eu, sou eu e mais um.

Dia 07 de Março de 2018, Vinicius Osterer.