“Por que você não vai para a merda?” –
estava escrito na tela do meu celular.
Poderia enviar e depois dizer que tinha
sido um engano. Apaguei a mensagem, pois não queria me sentir rancoroso ou me
passar por burro e desorientado. Também não liguei a televisão, sempre a mesma
coisa, e pelo meu trânsito astrológico isso não era nada bom. Havia cansado da
habitualidade dos fatos.
Se minha mãe me visse agora, ela diria:
“Você não tem vergonha nesta cara? Chorando por um homem? Vai lavar a roupa,
procurar um emprego, parar de pensar só em você!”.
- É mãe! Você tem toda razão! – Mesmo
assim, me joguei no sofá e esperei a cidade ficar mais calma, sem tantos
barulhos para me distrair. Estava prestes a explodir e levar comigo todo o meu
quarto-sala, e com ele a infestação de formigas (daquelas marrons e pequenas) do
balcão de segunda mão, com a porta da frente quebrada e esfarelenta.
Os pensamentos ficavam mais
introspectivos, na medida em que deitava sobre um punhado de travesseiros
amarelados. Dentro da minha introspecção ensimesmada, lembrei de quando vim
para cá. Eu tinha um grande amor, um pensamento que sempre me dizia: “Sim, você
viverá os melhores dias da sua decadência!”. Mas as coisas não são bem assim, e
eu havia sido advertido pelo meu pai e por toda minha família:
- Já é tudo que é. Se sair por aquela
porta para viver com ele, não volte mais para esta casa! – meu pai praguejou
olhando pela janela afora, sem ao menos se virar para olhar o seu único filho
ir embora, enquanto toda família de cabeça baixa e em silêncio, cortava o
vínculo que me prendia dentro daquele mundo de submissão e desrespeito, por
quase vinte anos de minha existência.
Eu falava baixinho comigo: “não olhe para
trás, sua mãe teria orgulho de você”. Mas ela partiu mais cedo, me deixando na
idade mais escura de sobrevivência. Agora foram-se as rosas, os sorrisos e
todos os livros de romances. Ficaram as coisas quebradas, um homem em ruínas,
que não toma um café descente há alguns meses, e isso me preocupa. Não. Muitas
coisas me preocupam. Sim. As horas não passam.
Talvez eu seja o quadro de natureza morta
da minha sala e não saiba. Quando a vida é feita pelas formas que representam, mesmo
sabendo que aquilo não existe e que é apenas uma tela pintada na vertical. E
talvez eu seja apenas um humano na vertical, jogado no sofá, esperando o
silêncio da minha natureza morta. Hoje, todo mundo é tão barulhento!
E parece que vai chover dentro da minha
selva mental. Sou o próprio exílio de mim mesmo. Apaguei todas as luzes para
tentar ver as estrelas, mas com uma noite nublada e com tanta claridade nesta
cidade, isso se torna cada vez mais secundário e impossível. Onde está a
vontade de correr para o meio do nada e ficar lá tricotando com o universo?
Nesta casa vazia da sua existência, eu
choro. Talvez eu tenha ido embora junto com todas as suas coisas, ou eu
simplesmente fosse uma peça de roupa colorida que você usava e me dava para
lavar. Eu não vou mais lavar nada, nem fazer torta de frango, nem escrever
poesia, cantar alto no chuveiro, sair e encher a minha cara. Joguei o vaso de
flor que você me deu no lixo. Queria ter me empacotado e ido junto, mas não
tinha um saco tão grande para tamanha miséria. Não mãe, não tenho vergonha na
cara. Sim mãe, estou chorando por outro homem. Um homem que está mais para um
garoto.
E se me jogar? Não apenas no sofá. Nesta
droga de sofá com um furo de cigarro no encosto. Sempre desejei não conhecer o
cigarro e nem mesmo você. Mas hoje não vou acender mais nenhum câncer, não
tenho dinheiro para sustentar os meus vícios. Desgraçada essa coisa toda que é
viver. Será que você consegue dormir sem pensar no que ocorreu?
Eu não me sinto culpado por ter bebido
além da conta, deixado uma impressão negativa sobre a minha imagem. Se bem que
você me conhecia, e não gostava de mim de verdade, preferia me amar quando não
estava sóbrio. Não pense que nunca reparei nisso. Logo eu, o pisciano iludido.
Amor amado, estou rendido. Jogado neste temporal dentro da sala, sem minha capa
de chuva amarela, sem a plenitude e apenas com os raios e relâmpagos.
E ainda sinto aquelas tantas coisas:
caminhar na relva molhada, imaginar um arco-íris sobre a cabeça, um vestido florido,
uma poesia sem métrica, sem rima, sem nada que é tão barulhento. Você abriu o
meu peito, já sabendo que eu não era projetado com saídas de emergências e
escadas de incêndio. Sabe que sempre gostei de ruir depois que toda a minha
estrutura ficava em chamas.
“Foda-se você!”
Sim, eu mandei isso. Estava engasgado na
minha garganta, preso na tela do meu celular, como um grito sinérgico, como uma
overdose da droga que é amar você. E como sempre, fiquei sem resposta. E se me
jogar? Não apenas no sofá. Provavelmente não ganharia nada, nem um bom descanso
eterno, nem a capa do jornal do domingo. As horas passam, mudei de ideia.
E não é tão silenciosa a hora mais escura
da madrugada. Pensei que se todo o barulho lá de fora se cessasse eu poderia
deixar de ouvir o barulho que tenho no peito, mas não funciona desta forma,
pelo menos não comigo. Eu não preciso de um despertador pois minha insônia
diária me garante bons e duradouros minutos de pensamentos, cabeça cheia,
repleta daquelas mesmas besteiras:
1. De estar farto da minha xícara sempre
pela metade;
2. Do remédio para dormir;
3. Das comidas prontas que aqueço no
fogão, porque o micro-ondas está quebrado, o país está quebrado e eu estou na
mesma;
4. Toda esta pilha de papéis que precisam
ser reciclados, e as roupas que precisam ser guardadas, todas esparramadas pelo
chão em que escondo minha miséria na maior parte do dia, quando não preciso
sair atrás de um emprego, atrás de comida, atrás da luz do sol e de um sorriso
que não seja o meu. Atrás de crédito para o celular porque estou sem wifi
usando meus dados móveis.
Usando o pouco daquilo que ainda tenho
para mandar você ir se foder. O que aconteceu com meu linguajar? Onde foi o
garoto empoderado? Cresceu e virou um homem arruinado? Por que não troco a cor
desta parede? Tudo bem, já sei, é porque não tenho dinheiro e nem mesmo
vontade.
Quando o sol vai romper a barreira do
escuro? Dentro de mim tem tanto barulho que não consigo nem mais parar para
respirar. Virei um buraco negro sugando a sua matéria. Que idiotice a minha,
meu sentimento é imaterial! Então vai, para longe de mim!
Como posso querer e não querer todas as
coisas? Por que não me contento com meia xícara de café? Com meio sentimento
besta? Com metade da metade da laranja? Com o número 47 do bloco 3 onde moro?
Isso é preocupante! E se me jogar?
Justo eu o homem apático, o homem que saiu
com todas as cores de uma bandeira. Para o armário eu não volto! Para a casa de
meu pai também não! Para meu último emprego muito menos!
Trabalhar em um lugar aonde você é lixo,
um completo idiota, andando pelos cantos, olhando para baixo, evitando
conflitar com os outros olhos que lhe derrubam e quebram o pouco de dignidade
que ainda te resta. Ser diferente não presta. E me sinto um eterno imprestável.
E para você absolutamente não volto! Eu
não volto, porque nasci sendo apenas uma ida. Um caminho sem voltas para cada
dia a menos de vida. Não posso voltar, sou como o tempo que só anda para frente
e não para em nenhum segundo.
Quebrei o seu perfume, joguei fora o que
era seu. Está lá na garagem ocupando a vaga do carro que ainda não tenho.
Queria meter fogo naquela porcaria toda. Já fui multado pela droga da discussão
do outro dia. Tive que ouvir:
- Além de bicha é escandalosa!
Mas eu não sou uma palavra de gênero
feminino, eu sou um homem e tenho este direito! Me chame de escandaloso, de
espalhafatoso, de amigo, me chame de nada. Grita meu nome! Manda me bater
quando eu saio montado na rua! Não estou mais nem aí para os seus preceitos...
E volta o barulho. E volta tudo aquilo de
antes. As horas que não passam, os olhos que não fecham, a vida que não muda,
essa sede de café com vodca, com whisky, com cigarro, com scarpin preto, com o
murro que você me deu na boca.
E se me jogar, aqui do quarto andar?
Talvez fique alguma coisa para alguém reclamar e depois chorar na sepultura.
Tenho certeza que quando morrer eu serei apenas mais um colorido. Serei todas
as cores do mundo e eu não precisarei mais ouvir tanta gente barulhenta fazendo
mais e mais barulho.
Eu ainda prefiro o escuro, de manhã fico
desnudo com os meus hematomas arroxeados. Nem toda maquiagem do mundo disfarça
os restos que tenho por dentro, os cacos quebrados da minha memória, de quando
fui deixado neste lugar chamado mundo, que cheira a desgraça e destroça qualquer razão.
Hoje? Não posso evitar, tenho que descer e
tentar a sorte. Minhas contas não se pagam sozinhas. Eu aqui me sentindo esta
alma vagabunda, encalacrada, cuspida para fora da boca do criador na criação.
Quem cria tanta desgraça no mundo? Por que não posso ser o homem empoderado que
eu já fui? O homem que quando coloca seu scarpin preto fica maior do que uma
super potência, faz o país crescer, a economia girar, a chuva cair e a vida se
colocar certa no seu eixo?
Não quero um tapa, eu quero um beijo. Não
quero uma agressão, eu quero um abraço. Não quero uma ofensa, eu quero um
emprego. Quero poder ser chamado pelo nome que escolhi, ser amado por aquilo
que represento. Não quero um colar de diamantes, eu quero uma xícara de café
expresso, um dia menos barulhento, um sorriso não tão forçado, um presidente
que seja eleito democraticamente.
Cansei de usar a minha maquiagem e ser
categorizada como a drag, o espalhafatoso, a mulher de pica, o diabo a quatro.
Todo aquele barulho designado pelo nome preconceito, que tenho que ouvir
cotidianamente. Você era apenas mais um barulho disfarçado, e eu alguém que
acreditava que pudesse não ser uma ingratidão.
Chega por hoje, eu só preciso de um
cigarro. Preciso de alguém que diga “eu te amo” sem me deixar todo marcado. Sem
que depois de tudo que passamos eu não precise ir para o hospital cauterizar
uma ferida.
Eu só quero existir. Existir sem tanto
barulho. E se me jogar? O meu gênero é humano e meu gosto simplesmente o amor.
Quem vai colocar uma drag suicida no jornal do domingo? Ainda se eu fosse um
homem empoderado...
O SENHOR DA MADRUGADA. Vinicius Osterer.
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