quarta-feira, 21 de março de 2018

"Já Sinto"

Se pararmos para pensar (quando quisermos parar e fazer isto), nunca se atentamos ao que parece ser tão óbvio. Complicamos com palavras que não são ditas, ou ditas até demais. Complicamos a maneira de encarar um imprevisto ou a nossa ausência de maturidade. Complicamos de uma forma ou de outra o que não deve ser complicado. Se me permitir exemplificar com uma ideia rasa e pouco elabora, para quem não se permite olhar o “óbvio”, o próprio sentido da palavra “óbvio”, não será nada “óbvia”. E dentro desta brevidade de pensamento, surge em mim e em meus olhos, algumas das coisas que já me referi há muito tempo por aqui, sobre minhas opiniões quando o tema é a classificação e a criação de rótulos sociais, ou como queira autodenominar.

O que de fato aconteceu é que estava sentado na cama com um bocado de papéis em branco, esperando que eles fossem preenchidos com ideias que não vinham. Me deu aquele branco ingênuo e cheio de inocência, de quando a gente se apavora contra o tempo perdendo o fôlego e a noção de todos os cinco sentidos. Calma, respira...

Pensei “até que ponto estava sendo neutro? Até que ponto estava errado?” Ontem mesmo na aula de didática fiquei sabendo que a educação não era neutra, e passei a repensar se o que eu fazia era tão neutro assim, com as minhas colocações. Dentro de um processo que eu carinhosamente chamo de “ampliação psíquica através da influência dos meios digitais” (olhar as redes sociais ao acaso e sentir-se estimulado para produzir alguma coisa por outra coisa), me lembro de um projeto que cheguei a olhar anteriormente com outros olhos que não os de hoje.

Quinta passada, inserido dentro de um mundo aparentemente amável (onde eu habito, mas regido pelo caos), chegou até mim um projeto de fotografias que muitos diriam “são apenas fotografias”, mais especificamente nus artísticos. Passei meus olhos rapidamente e me questionei quais eram os seus intuitos, pois algo em mim dizia que o que constava na descrição sobre o projeto, era mais denso do que eu esperava (quando se tem muita água no seu mapa astral, confie sempre na sua intuição, se acreditar é claro!). Nunca fui aquele tipo que se inquietava se dissessem que o sol era amarelo. E dentro deste amarelo todo, tinha cor demais, era um amarelo bem colorido. Cor até que nem eu imaginava que existisse. Fiquei com esta ideia fixa pelo fim de semana todo, rolando umas palavras daqui e dali, até o episódio de hoje sentado na cama.

 Na descrição do projeto:
 “Jacinto é um projeto fotográfico de resistência, confrontação de padrões e, acima de tudo, orgulho gay.”

Fiquei pensando até que ponto existiria uma diferença entre aquilo que estava ali escrito (o que eu entendia) e o que eu não conseguia enxergar (o que de fato era). E não me atentava que a própria resposta era o tal do “óbvio”. Quem não olha a outra pessoa como um ser humano, que de fato é, continuará mordendo a cauda do ciclo de depreciação, distanciamento e sucateamento humano em que vivemos (péssimos tempos, diga-se de passagem). A simplicidade de um movimento, parado em determinada foto do “Projeto Jacinto”, pareceu enaltecer a vida que existia dentro de todo aquele caos de quem se propôs a fotografar.

O ser humano precisa sentir na pele. É sentindo na pele que evidencia-se o real do que é acessório, o necessário do que é superficial. Sem puderes, sem coisas que os deixam cada vez mais reféns de si mesmos, criando certa resistência. E resistir passa a ser um sentir.

            Muitos antígenos são inseridos dentro de nossos corpos ainda na infância, para criarmos a capacidade de resistir e dar suporte aos nossos anticorpos, quando entram em contato com determinadas enfermidades. Confrontar o padrão e exaltar aquilo que se é, passa a ser um antígeno moderno de resistência.

E procurando uma ideia para encher um bocado de papéis vazios, depois de ficar absorvido com o trabalho fotográfico de Anderson Favero, consegui fazer o que não pretendia, observar o que é tão óbvio de um jeito singular e não tão complexo. Observando o óbvio me dei conta de que já sinto um punhado de coisas, e por me permitir senti-las estou cada vez mais resistente e confiante que o “tempo líquido” de Bauman, é apenas uma perspectiva pessimista da realidade.

(Para quem se interessar pelo projeto: https://www.instagram.com/jacinto.foto/)

Dia 20 de Março de 2018, Vinicius Osterer.

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