sábado, 5 de maio de 2018

ME. (Femi) .NINO

Acordei com aquela vontade de ser criança e tomar chá imaginário em uma xícara de plástico cor de rosa. Pular de piso em piso, subir em galhos, viver de mentirinha até a luz do poste da rua acender. Aquela velha vontade de não entender porque minha mãe está sentada lá fora chorando, meu pai está fora de casa trabalhando, minha irmã na escola estudando, minha avó na cozinha tricoteando, e eu com meu Batman de brinquedo defendo um mundo de grampos de roupas da destruição.
Acordei com aquela severa vontade de ir ao banheiro vomitar, depois de ser enquadrado de madrugada pela polícia no bar, por não estar fazendo nada de útil para a minha nação, por tramar usando vermelho a minha conspiração, com as unhas das mãos todas pintadas como uma cigana. Pulei cedo da cama, estraguei tudo de novo pela madrugada, despejando palavra atrás de palavra, entendendo agora o valor de um silêncio bem feito.
Em outra época saberia como salvar o mundo com meu roteiro de brincadeira, impedindo a invasão alienígena geradora do caos. Não me atentava com o telefone da sala que tocava, com as músicas que meu pai escutava, com o barulho que fazia quando gritava comigo mesmo rompendo com o silêncio das tardes úmidas de chuva. E que lembrança de chuva, não a de hoje que encharca meu rosto e rompe o tempo.
Acordei quem sabe agora? Talvez fosse o momento. O rosto amassado no travesseiro, jogado por horas embaixo do chuveiro, não pensando no equilíbrio do planeta Terra. Está tudo desequilibrado por dentro. Passagem sobre o rosto do tempo. Era para ser assim? O espelho nada responde.
E sabe, olha do que fui me lembrar! Daquela antiga foto de quando tinha cinco anos, vestido com a camisola da minha mãe, de pano na cabeça, com um buquê de flores indo me casar. Das vezes que esperava todo mundo ir trabalhar, para subir sobre um par de sapatos, dublando músicas com sobressaltos, não entendendo todo aquele processo.
São duzentos anos de Marx, sete anos de Judas da Gaga, quase um quarto de cem de vida para mim. Para onde for não haverá uma saída. Não me enquadro dentro de nada, mas sou enquadrado pela polícia. Talvez e só talvez, sirva um chá imaginário com os brinquedos da minha sobrinha, se me der vontade de me matar ou quebrar toda a cozinha. Foda-se. Hoje tenho um aniversário para ir, daqueles que se enche a cara e vive-se de mentirinha até o efeito passar. Não vou para casa quando as luzes acenderem. Até minha casa perdeu o significado. Não lembro de parar observar a luz acender a anos. É automático. Ela acende quando escurece e perdeu o significado prático. Não passa de um punhado de vidro com química. E eu dentro desta amargura anímica, esperando a próxima lua crescente para pensar sobre o que faço.
Acordei com aquela vontade de ser criança, daí me lembrei que ela já tinha morrido. Ingenuidade é um perigo. Não se fazem mais crianças como antigamente. Não dê bola, “O Senhor da Madrugada” mente. Dentro dele um menino feminino ainda faz festa.

Dia 05 de Maio de 2018, Vinicius Osterer.

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